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Figura Típica Regional no Festival de Parintins: vozes e saberes dos amazônidas

Atualizado: 6 de ago.

Além da tradição, o que a Figura Típica Regional do Garantido e Caprichoso revela?

 

Imagens: (Reprodução/Revistas Garantido e Caprichoso 2025)
Imagens: (Reprodução/Revistas Garantido e Caprichoso 2025)


Parintins (AM) – No palco do Festival de Parintins, o Item 15 (Figura Típica Regional) deixa de ser representação folclórica quando histórias reais de protagonistas amazônidas são reverberadas. Seja as "Majés, as Senhoras da Cura" ou as "Artesãs Indígenas", essas personalidades carregam mensagens profundas sobre identidade, resistência e o futuro da Amazônia.

 

Quando o Garantido e o Caprichoso apresentam suas Figuras Típicas, eles não apenas celebram a cultura local, mas também provocam reflexão. As Majés, com seus remédios feitos de folhas e raízes sagradas, representam a medicina ancestral que desafia a lógica capitalista da saúde. Já as artesãs, com seus assessórios de sementes, lembram que cada peça artesanal é um ato de luta pela preservação da floresta e de seus povos.

 

Mas o que essas figuras querem revelar ao público?

  • Que tradição não é só passado, mas também futuro. Enquanto o mundo discute sustentabilidade, essas mulheres praticam há séculos os princípios de uma vida em harmonia com a natureza.

  • Que a Amazônia recorre à cultura para se defender da ganância, seja no chá curativo das Majés ou no trançado de um tipiti, há saberes que o mercado não pode invalidar. As Senhoras da Cura não carregam diplomas, mas carregam a sabedoria dos antigos. E Parintins, em sua magia, lhes rende homenagem.

  • Que a ilha parintintin não é só festa, é manifesto. Por trás do brilho do Bumbódromo, ecoam vozes que resistem ao apagamento e lutam pelo reconhecimento de seus saberes.


Quando o Item 15 entra em cena, ela não está ali para enfeitar, mas para contar uma história de resistência e ancestralidade. A pergunta que fica é: estamos dispostos a escutar as vozes da sabedoria secular?

 

Muito mais que notas: a alma da Amazônia em cena

 

A Figura Típica Regional é o Item 15 no Festival de Parintins, a concorrer notas de zero a 10. Mas você sabe o que ela significa? Este item revela não apenas a beleza artística, mas também o cotidiano dos amazônidas, com os costumes, os saberes, as crenças e os contos.

 

A região amazônica é rica em pluralidades culturais, formada por diversos povos tradicionais, sejam eles caboclos, ribeirinhos, indígenas ou africanos. Historicamente também recebeu influências culturais e genéticas de portugueses, japoneses, turcos e outras nacionalidades. Dessa diversidade surgiu o termo miscigenação, que é a mistura dessas identidades.

 

Durante o Festival de Parintins, três figuras típicas regionais são apresentadas, uma por noite, tanto pelo Boi Garantido quanto pelo Boi Caprichoso. O Item 15 chega na arena do Bumbódromo em módulos que, juntos, formam uma grande alegoria, empurrados por kaçauerés e paikicés (empurradores de alegoria) e movimentados por artistas de alegorias. Nelas vão os atores sociais, que dão vida à arte cênica, representando os povos amazônidas em seu cotidiano.


O conjunto da arte é realçado com movimentos alegóricos, elementos cênicos, iluminação e cores, acompanhado pela narrativa do Apresentador (Item 1). Enquanto a Figura Típica é apresentada, a alegoria é avaliada separadamente, como Item 16.

 

O verdadeiro espetáculo ocorre na sinergia entre os itens: enquanto o Apresentador (Item 1) conduz a narrativa, a Figura Típica (Item 15) dialoga organicamente com outros elementos cênicos que surgem "misteriosamente", seja a Cunhã-Poranga representando a força e beleza da sua ancestralidade indígena, o Pajé com sua espiritualidade ancestral ou outro item do Bloco B (Cênico/Coreográfico). Esta não é uma apresentação estática, mas um ecossistema performático onde cada componente ilumina aspectos diferentes da mesma verdade cultural.

 

A Figura Típica Regional é sempre um mistério a ser revelado pela arte cênica. As toadas que acompanham as alegorias não são meras trilhas sonoras, é mais uma extensão artística que deve estar entrelaçada aos temas da alegoria e de cada apresentação de ambos os bois. O Item 15 opera em dois níveis simultâneos, espelho para uns, janela para outros. E aqui reside a genialidade do povo da floresta: os amazônidas se reconhecem no palco e os visitantes recebem uma aula antropológica.

 

Esta é a essência que se esconde por trás das cores, sons e movimentos coreografados. Cada Figura Típica que adentra o Bumbódromo leva histórias não contadas em livros didáticos, são retratos em movimento da vida cabocla, ribeirinha, negra e indígena, com todas as suas intersecções culturais.


 

Demandas socioculturais e socioambientais nas narrativas da Figura Típica Regional

 

Escolha do Tema

 

Dentro do tema principal das agremiações, outros subtemas norteiam cada noite de apresentação. Por essa razão, o Item 15 é avaliado pela conexão do conjunto cênico, artístico e musical ao tema da noite. É levado em consideração a dinâmica de apresentação, a representação da realidade, a originalidade e a criatividade. 

 

Neste ano de 2025, o Festival de Parintins ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de junho, e, como temática da temporada, o Boi Garantido (representado pelas cores vermelha e branco) levou “Boi do Povo, Boi do Povão”. Já o Boi Caprichoso (representado pelas cores azul e branco) defendeu “É Tempo de Retomada”. Ambos os bumbás evidenciaram as lutas dos povos tradicionais e denunciaram crimes ambientais em prol dos direitos humanos e do meio ambiente.

 

Temática do Boi Garantido

 

Com o intuito de "ecoar as vozes da floresta", o Boi Garantido apresentou o espetáculo "Somos o Povo da Floresta", levando consciência ambiental e reflexões sobre o direito à vida. Nessa primeira noite do Festival de Parintins (27/06), o bumbá celebrou a diversidade étnica e cultural da Amazônia, além dos saberes e fazeres do povo.

 

O tema da segunda noite (28/06), “Garantido, Patrimônio do Povo”, refletiu sobre a história do surgimento do Garantido até se tornar patrimônio do Brasil. Durante a apresentação, o fundador Lindolfo Monteverde e sua família foram homenageados. 

 

Na noite de encerramento (29/06), “Garantido, Boi do Brasil” homenageou “todas as brincadeiras de boi” do país, símbolos de resistência contra preconceitos e opressões”. 

 

Temática do Boi Caprichoso

 

O Boi Caprichoso levou para a arena, na primeira noite (27/06), "Amyipaguana: Retomada Pelas Lutas", com o foco nas culturas que nascem no seio da floresta amazônica. O bumbá denunciou crimes contra os territórios e as vidas dos povos tradicionais e homenageou a sabedoria popular, especialmente das mulheres negras, indígenas e caboclas.

 

Na segunda noite (28/06), o tema "Kizomba: Retomada Pela Tradição" conduziu a festança. O Caprichoso relembrou as origens da sua história com raízes na cultura negra: "Foi do desejo da negra grávida Catirina que todo este folguedo nasceu", trecho da Revista Caprichoso. O boi negro evidenciou a resistência do povo afro e a influência da cultura negra na formação sociocultural dos amazônidas.

 

"Kaá-Eté - Retomada Pela Vida" refletiu sobre a valorização daqueles que protegeram e protegem a fauna e a flora. Um dos momentos mais marcantes da terceira noite (29/06) foi a homenagem à memória de Chico Mendes, seringueiro e defensor da Amazônia.

 

A Figura Típica Regional é apresentada com base na temática de cada noite. A seguir, confira o propósito do "Item 15" dos bois Garantido e Caprichoso.

 

Conheça a Figura Típica Regional (Item 15) do Garantido em 2025

 

Figura Típica Regional celebra a diversidade cultural amazônica no Festival de Parintins

 

No Festival de Parintins, o item Figura Típica Regional do Boi Garantido se destacou por valorizar a diversidade cultural da Amazônia por meio de grandiosas alegorias que retrataram o cotidiano do caboclo e os saberes tradicionais da floresta. "Cada apresentação representa um recorte da vida amazônica, desde o trabalho na roça até as festas e rituais religiosos, passando pelas relações com a natureza e as tradições familiares", trecho da Revista Garantido 2025.

 

O Boi Garantido utiliza o "Item 15" para homenagear a pluralidade cultural amazônica, resgatando memórias e fortalecendo o orgulho das raízes regionais. Um dos trechos mais marcantes da proposta afirma que a "Figura Típica Regional é uma verdadeira homenagem à diversidade e à riqueza das tradições locais, trazendo à tona elementos que fazem parte do imaginário e da história dos povos da floresta".

 

Ao colocar essas imagens na arena, o Garantido transforma cultura em espetáculo, reverberando as identidades da Amazônia brasileira para o conhecimento das próximas gerações.


Um dos coordenadores do Coletivo Lendário da Cênica Garantido (CLCG), Geandre Reis, 50 anos, nasceu em uma família de artistas vermelho e branco e, há mais de 30 anos seguiu o mesmo caminho como artista do Garantido. Ele contou que, há cinco anos, vem reformulando a Figura Típica Regional do Garantido, resgatando a cênica, a teatralização e a coreografia. “E esse ano explodiu com as três figuras típicas: tanto do Povo Negro da Amazônia – que é a da primeira noite, as Tacazeiras –, como também as Artesãs da Amazônia”.

 

Além de destacar a importância do Item 15 no festival, Reis problematizou a falta de valorização dos coletivos artísticos que compõem a Figura Típica:

 

“Infelizmente, o boi ainda não valoriza esse coletivo, que é tão importante quanto uma alegoria. A nossa pontuação é a mesma coisa que uma alegoria: então, 50% é da alegoria e 50% é do humano, em todas as três esferas figura típica, lenda e também ritual. Sem humano, no Festival de Parintins, não existe alegoria. Então, a figura típica é importantíssima. Sendo que, há dois anos, os magnatas do boi já queriam retirar a figura típica do Festival de Parintins, o que seria um grande absurdo, porque a figura típica retrata realmente o amazônida, retrata a gente de Parintins, retrata essas nossas pesquisas dos quilombos, dos indígenas, das pessoas que defendem realmente a Amazônia em si”, reforça.

 

Bastidores do Coletivo Lendário da Cênica Garantido – CLCG, que dá vida à Figura Típica Regional – FTR (Fotos: Coletivo Lendário da Cênica Garantido – CLCG)

 

O professor de Serviço Social Gladson Rosas Hauradou, 47 anos, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam/ Parintins), participou pela primeira vez do Item 15 (Figura Típica Regional) com o Coletivo Lendário da Cênica Garantido (CLCG), liderado pelos artistas Geandre Reis e Ray Santos. Sua história no Garantido inclui o Item 19 (Galera/Torcida) e o Item 13 (Povos Indígenas/Representação) na adolescência, mas foi na Figura Típica que ele se encontrou.

 

"...é ali que está a essência do boi-bumbá. Pois temos inúmeros trabalhadores: pessoas que estão ligadas à estiva, ao tacacá, à costura, no próprio boi-bumbá trabalhadores diversos, ribeirinhos, pessoas com ascendência indígena, enfim, e até quem sabe descendente de quilombola... um pirão de gente que expressa o que é o boi-bumbá, sobretudo os trabalhadores que remetem lá aos trabalhadores da baixa, os perrechés."

 

Rosas Hauradou também expressou profundo reconhecimento à história dos(as) que vieram antes: "A gente que tá chegando agora tem um profundo respeito pelas matriarcas, pelas pessoas mais velhas, os mais velhos – a gente tem esse respeito, considerando a história deles junto à cênica, com a figura típica, tudo o que eles já contribuíram. E a gente sempre pede passagem, pede autorização..."

 

Bastidores do Coletivo Lendário da Cênica Garantido – CLCG, que dá vida à Figura Típica Regional – FTR (Fotos: Coletivo Lendário da Cênica Garantido – CLCG)

 


Figura Típica Regional “Povo negro da Amazônia” (27/06)

 

Figura Típica Regional do Garantido leva ancestralidade e resistência negra para o Bumbódromo


Figura Típica Regional “Povo negro da Amazônia”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 27 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)
Figura Típica Regional “Povo negro da Amazônia”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 27 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)

 

O Boi Garantido transformou a arena do Bumbódromo em um palco de reconhecimento e celebração da cultura afroamazônica na primeira noite de apresentação. A Figura Típica Regional "Povo Negro da Amazônia", alegoria do artista Rogério Azevedo e equipe, esteve no centro do espetáculo para relembrar a luta histórica da população negra pelo direito ao território e à valorização de suas raízes culturais.

 

O boi de coração na testa, representado pelas cores "vermelho da justiça de Xangô e o branco da paz de Oxalá", também celebrou o reconhecimento do território onde foi criado – o Quilombo da Baixa da Xanda, comunidade afro-indígena tradicional de Parintins. Em junho de 2025, o local recebeu a certificação da Fundação Cultural Palmares (FCP) como remanescente de quilombo.

 

A apresentação destacou a diversidade e resistência desse povo presente no Norte do Brasil, representando figuras icônicas como:

  • Mestre Irineu, fundador do Santo Daime, símbolo de espiritualidade amazônica;

  • Dona Xanda, líder quilombola de Parintins e matriarca do Garantido;

  • Mestre Damasceno, guardião das tradições marajoaras.


Os sons dos tambores de São Benedito e São Sebastião inspiraram o espetáculo. Estes revelam a fusão entre culturas afro e indígenas, com referências a orixás, caboclos e encantados, reforçando a afroamazoneidade – identidade única que une fé, território e ancestralidade.

 

Sob o comando simbólico de Iansã (orixá dos ventos e das transformações), o Garantido não apenas contou histórias, mas reafirmou um legado: o do povo negro que, mesmo silenciado por séculos, segue ecoando sua voz na floresta e nas cidades. Foi a Amazônia negra, em cores, ritmos e lutas, ganhando o centro do palco.

 

Figura Típica Regional “Tacacazeira da baixa” (28/06)

 

"Tacacazeira da Baixa" celebra tradição indígena e resistência cultural no Festival de Parintins

 

Figura Típica Regional “Tacacazeira da baixa”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)
Figura Típica Regional “Tacacazeira da baixa”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)

Na segunda noite do Festival Folclórico de Parintins, a arte "Tacacazeira da Baixa", assinada por Wendel Miranda e equipe, destacou-se como um tributo à figura emblemática das mulheres que preservam e comercializam o tacacá, iguaria de origem indígena profundamente enraizada na cultura amazônica.

 

Com trajes típicos e gestos que remetem à tradição, a representação cênica reverencia as tacacazeiras, guardiãs de um saber ancestral transmitido por gerações. O tacacá, prato derivado da mani poi, uma sopa indígena feita com mandioca brava –, tem seu primeiro registro histórico no século XVI, citado pelo padre Abbeville (segundo Câmara Cascudo, 2004). Seu nome vem do nhengatu, língua geral da Amazônia, reforçando sua ligação com os povos originários.


Figura Típica Regional “Tacacazeira da baixa”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)
Figura Típica Regional “Tacacazeira da baixa”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)

 

Nas ruas e arraiais de Parintins, o tacacá não é apenas comida, mas símbolo de identidade. Na Baixa do Boi Garantido, durante o festival, seu aroma se mistura ao ritmo dos tambores, enquanto as tacacazeiras, com suas bancas e jeito acolhedor, oferecem mais que um alimento: entregam história e resistência.

 

A arte de Wendel Miranda capturou essa essência, celebrando a mulher parintinense que, com maestria e orgulho, mantém viva uma tradição que atravessa séculos.

 

Figura Típica Regional “Artesã indígena” (29/06)

 

"Artesã Indígena" é celebrada como guardiã da cultura ancestral na terceira noite do Garantido

 

Figura Típica Regional “Artesã indígena”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)
Figura Típica Regional “Artesã indígena”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)

Na terceira noite do Festival Folclórico de Parintins, a arte "Artesã Indígena", assinada por Kemerson Guerreiro, Marlon Brandão e equipe, brilhou como uma homenagem às mulheres que mantêm vivos os saberes tradicionais dos povos originários da Amazônia. Apresentada no item 15 (Figura Típica Regional), a performance destacou o papel fundamental dessas artesãs na preservação da cultura, da biodiversidade e da resistência indígena.

 

As artesãs Tikuna, Kokama, Baniwa, Sateré-Mawé, Hixkaryana e de outros povos carregam em suas mãos técnicas milenares, repassadas por gerações. Seus trabalhos, como grafismos, cerâmicas, cestarias, artes plumárias, colares de sementes, cocares e maracás, são mais que objetos: são narrativas de resistência. No passado, muitas dessas peças foram levadas para museus estrangeiros como "curiosidades exóticas". Hoje, elas se tornaram símbolos de identidade e fonte de renda para comunidades que lutam pela autonomia e pelo direito à terra.


Figura Típica Regional “Artesã indígena”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)
Figura Típica Regional “Artesã indígena”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Garantido 2025)

 

A arte cênica apresentada no Bumbódromo exaltou a força feminina indígena, mostrando como essas mulheres são guardiãs da floresta e de suas tradições. Cada trançado, cada semente, cada pintura utilizada em suas criações reforça a conexão sagrada entre cultura e natureza.

 

Em um momento em que os povos originários enfrentam crescentes ameaças, a Figura Típica Regional "Artesã Indígena" ressalta a importância de reconhecer e valorizar essas mulheres que, com habilidade e resiliência, seguem tecendo não apenas artesanato, mas também o futuro de suas culturas.

 


Conheça a Figura Típica Regional (Item 15) do Caprichoso em 2025

 

A Figura Típica Regional como eco das lutas amazônicas

 

Na arena do Bumbódromo, a Figura Típica Regional se transforma em um tributo vivo às tradições e à resistência dos povos da floresta. Mais do que uma representação artística, ela é um espelho da identidade amazônica, celebrando indígenas, caboclos, negros e suas histórias entrelaçadas com a natureza.

 

O Boi Caprichoso, guardião dessa manifestação cultural, elevou como símbolo deste ano o cotidiano das majés, marandoeiros, marandoeiras e seringueiros, atores reais que carregam em seus ofícios a sabedoria e a luta da região.

 

"É o símbolo da cultura amazônica, refletindo os valores fundamentais a partir dos elementos que compõem sua identidade", destacou o texto da Revista Caprichoso 2025. Em um Tempo de Retomada, a Figura Típica Regional do Caprichoso reafirmou que a cultura não para – ela resiste, dança e inspira. O item em questão não apenas mostra em recortes como é a Amazônia, mas também honra quem mora nela e a mantém viva.

 

Figura Típica Regional “Majés, as senhoras da cura” (27/06)

 

O Boi Caprichoso celebra a medicina ancestral da Amazônia

 

Figura Típica Regional "Majés, as senhoras da cura", apresentada na primeira noite do Festival de Parintins, em 27 de junho de 2025 (Foto: Divulgação/Carlos Leandro Ramos)
Figura Típica Regional "Majés, as senhoras da cura", apresentada na primeira noite do Festival de Parintins, em 27 de junho de 2025 (Foto: Divulgação/Carlos Leandro Ramos)

Na temporada em que a cultura amazônica ecoa no Bumbódromo, o Boi Caprichoso reverenciou as "Majés, as senhoras da cura", as verdadeiras guardiãs dos saberes da floresta. Criada pelos irmãos Paulo Pimentel, Aldenilson Pimentel e equipe, a alegoria da Figura Típica Regional da primeira noite (27) reproduziu recortes do cotidiano dessas curandeiras.

 

Elas são parteiras, benzedeiras, erveiras, puxadeiras e conselheiras, buscam nas matas ou plantam nos terreiros as ervas medicinais que curam o corpo e a alma. Seus conhecimentos não vêm de livros, mas da escuta atenta aos ensinamentos dos povos indígenas e quilombolas, transmitidos por gerações.


 Figura Típica Regional "Majés, as senhoras da cura", apresentada na primeira noite do Festival de Parintins, em 27 de junho de 2025 (Fotos: Divulgação/Michel Amazonas, Sanler Cardoso e Alexandre Vieira)


A homenagem resgatou a história de Dona Olinda dos Santos Tapuia, curandeira do Baixo Tapajós, símbolo da força e da fé de uma minoria esquecida. Mulheres como ela são pontes entre o passado e o presente, guardiãs de um saber que o Estado insiste em ignorar, mas que o povo nunca deixou morrer.

 

Distante das lógicas da indústria farmacêutica e da medicalização capitalista da vida, há os que recorrem aos saberes ancestrais. Majés são presença viva nos rituais de cura, esperança dos doentes e abrigo dos aflitos, por meio do chá, da puxadura ou benzedura. Ao trazê-las para o centro do espetáculo, o Caprichoso quis evidenciar a luta silenciosa dessas mulheres invisibilizadas. Pois, enquanto houver floresta e quem saiba escutá-la, a cura ancestral seguirá viva – como ato de resistência.

 

Figura Típica Regional “Marandoeiros e marandoiras da Amazônia” (28/06)

 

Oralidade como resistência: em Parintins, contação de histórias fortalece memórias e reafirma identidade amazônida

 

Figura Típica Regional “Marandoeiros e marandoiras da Amazônia”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Caprichoso 2025)
Figura Típica Regional “Marandoeiros e marandoiras da Amazônia”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/Revista Caprichoso 2025)

No seio da Amazônia, contar histórias é mais do que tradição, é um ato de resistência, memória e pertencimento. Como define a marandoeira Márcia Kambeba: "Quem busca a retomada, sabe que memória não é passado, mas caminho", trecho da Revista Caprichoso 2025. E é nesse caminho que o povo de Parintins reafirma sua identidade por meio da oralidade. Quem ajudou a contar essas histórias foi a Figura Típica Regional "Marandoeiros e marandoeiras da Amazônia", alegoria executada pelos artistas Márcio Gonçalves, Nildo Costa e equipe, apresentada na segunda noite de festival (28).

 

Nas comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, narrar é um costume que atravessa gerações. As noites são cenário para encontros em volta da palavra, quando os mais velhos compartilham "causos", ensinamentos e lembranças que moldam o imaginário e a vivência amazônica. A oralidade, nesse contexto, não é apenas fala, é saber ancestral transmitido em forma de histórias que misturam gente, bicho, rio e encantado.

 

A contação de histórias revela um modo próprio de ver o mundo, de entender os ciclos da floresta e as vontades dos rios. É linguagem que carrega o tempo, que se transforma em aprendizado e mantém viva a memória coletiva – desde as grandes cheias até os bois de promessa, como o lendário boi preto de Roque Cid, de couro brilhoso e fé partilhada com Nossa Senhora do Carmo e São Benedito.


Figura Típica Regional “Marandoeiros e marandoiras da Amazônia”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/TV A Crítica)
Figura Típica Regional “Marandoeiros e marandoiras da Amazônia”, apresentada na segunda noite do Festival de Parintins, em 28 de junho de 2025 (Imagem: Reprodução/TV A Crítica)

 

Entre vozes e tambores, nomes como Tia Dora, Seu Dray, Adolfo Lourindo, Julita Cid, Mestre Waldir Viana, Marujo Marina, Dona Siloca e Coracy se destacaram como relicários da memória caprichosa. Gente que narrou a história do Boi Caprichoso com palavras, versos e ritmos, ajudando a construir a identidade do boi azul e da própria cidade.

 

Essas vozes se somam às dos marandoeiros e marandoeiras da Amazônia, guardiões do saber popular, que seguem zelando por uma cultura viva, resistente e profundamente conectada com o território. Em tempos de retomada, contar é resistir. É garantir que o povo amazônida continue de pé, contando e recontando suas histórias, reafirmando quem é, de onde vem e para onde vai.

 

Figura Típica Regional “O seringueiro da Amazônia” (29/06)

 

Homenagem aos seringueiros reforça memória de luta e resistência na floresta amazônica


Figura Típica Regional “O seringueiro da Amazônia”, apresentada na terceira noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Foto: Divulgação/Carlos Leandro Ramos)
Figura Típica Regional “O seringueiro da Amazônia”, apresentada na terceira noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Foto: Divulgação/Carlos Leandro Ramos)

 

Na última noite do Festival de Parintins (29), o Caprichoso firmou uma luta coletiva ao lado do povo nortista e da família Mendes, reafirmando o legado de Chico Mendes diante do mundo. Construída pelas mãos dos artistas Makoy Cardoso, Nei Meireles e equipe, a Figura Típica Regional "O seringueiro da Amazônia" ajudou a recontar as histórias de grandes lideranças socioambientais da Amazônia e reforçou as denúncias contra crimes ambientais.

 

No compasso da resistência amazônica, o Boi Negro resgatou a história dos homens e mulheres da floresta que enfrentaram a exploração, a violência e a ganância em nome da vida e da preservação ambiental. Atualmente, a lembrança dos seringueiros e seringueiras é um ato de retomada da memória e afirmação de uma luta que sobrevive.

 

Nomes como Chico Mendes, Dorothy Stang, Zé Cláudio, Maria do Espírito Santo, Wilson Pinheiro e Ivair Higino ecoam como símbolos da defesa da Amazônia. Mártires da floresta, deixaram como legado a coragem de enfrentar poderosos interesses em nome da vida comunitária, do extrativismo sustentável e da dignidade dos amazônidas.


 Figura Típica Regional “O seringueiro da Amazônia”, apresentada na terceira noite do Festival de Parintins, em 29 de junho de 2025 (Fotos 1 e 2: Divulgação/Carlos Leandro Ramos)


De Xapuri, no Acre, brotou um dos maiores movimentos de resistência socioambiental do país. Foi lá que seringueiros e suas famílias fincaram raízes em meio a uma floresta disputada por coronéis da terra. Em jornadas diárias para a extração do látex, construíram sua sobrevivência mesmo sob sistemas opressores, que os mantinham reféns de dívidas eternas com os donos dos barracões.

 

Hoje, descendentes e companheiros dessa luta mantêm viva a chama da resistência. São guardiões da memória dos que vieram do Nordeste para permanecer nas margens dos rios e nos barrancos do seringal, zelando por uma Amazônia em pé. Entre eles, nomes como Seu Raimundão, ainda ameaçado pela violência fundiária, denunciam que o território segue como campo de disputa e de coragem.



Fonte: Com informações das Revistas “Boi do Povo, Boi do Povão”, do Garantido 2025 e “É Tempo de Retomada”, do Caprichoso 2025.

 


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